“Policiais encontram bebê de pijama na rua, e mãe diz que ele saiu sozinho (…)
Policiais que faziam patrulha de rotina avistaram o menino por volta das 1h30 (…)
Após passar por avaliação médica, que não encontrou nenhum sinal de maus tratos ou ferimentos, o menino foi encaminhado para um abrigo.
Por volta das 4h, a mãe da criança ligou para a polícia, dizendo que o filho, que estava dormindo, tinha desaparecido de sua casa.
A suspeita é que ele tenha aberto a porta de casa, que estava fechada a chave, ultrapassado o portão e saído sozinho para a rua.
Segundo a conselheira tutelar Flávia da Silva Gonçalves, a mãe, que é frentista, disse que dormiu ao lado da criança. Ao acordar de madrugada e perceber que o menino não estava na cama, ela resolveu ligar para a polícia.
O menino voltou para casa na tarde de ontem (…). ”
“Holandeses deixam filhos sozinhos em barco e vão jantar
O casal de holandeses foi preso anteontem após deixar os três filhos - com idades entre sete meses e quatro anos - sozinhos em um barco ancorado em frente ao Iate Clube do Rio (…)
O casal saiu para jantar no Iate Clube e deixou os filhos dormindo. As crianças só foram descobertas porque pescadores ouviram o choro delas. Os pais foram indiciados por abandono de incapaz.
Eles foram libertados após pagar fiança de R$ 1.000 e depois que um representante do consulado holandês assinou um termo de responsabilidade. A família está viajando pelo mundo há três anos e chegou ao Rio no último sábado”
Os dois casos tratam de crianças sozinhas, mas são diferentes. No primeiro caso, a criança é quem fugiu de casa. No segundo, os pais é que ‘fugiram’, deixando as crianças em casa (do ponto de vista jurídico, o barco é a casa deles. É lá que eles moram. Não importa que seja um barco). No primeiro, a mãe não fez nada (ela estava dormindo). No segundo, os pais fizeram. Ação e omissão têm pesos diferentes para a lei brasileira. Em boa parte dos delitos, a pessoa só é punida se ela houver agido e não se ela houver se omitido. Por exemplo, se você vê alguém afogando e não faz nada, você não será acusado de homicídio. Você se omitiu, você não agiu. Mas se você empurra a pessoa para fora do barco e ela morre afogada, você terá cometido um homicídio: você agiu.
A pessoa só responde penalmente por sua omissão quando o crime claramente diz que ele é punível no caso de uma omissão (ou seja, a lei - indiretamente - impõem o dever de agir, e quem não age acaba cometendo o crime se não houver agido e sua omissão gerou um determinado resultado), ou quando ele tem a obrigação de vigiar ou proteger a vítima, ou quando a pessoa assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou quando foi a própria pessoa que se omitiu quem criou o risco (se você cria um risco, você é responsável por suas consequências).
Há mais duas coisas interessantes para aprendermos aqui:
O casal do barco é holandês. Talvez haja diferenças culturais entre o Brasil e a Holanda sobre como as crianças devem/podem ser tratadas (já vimos aqui, por exemplo, que na Holanda a maioridade penal começa aos 12 anos. No Brasil, aos 18). Mas isso não importa: também já vimos aqui que, quando em águas territoriais estrangeiras, uma embarcação está sujeita às leis do país que está visitando.
O casal holandês foi indiciado por abandono de incapaz. Esse crime é cometido por qualquer pessoa (e não só pelos pais) que abandona uma pessoa incapaz que estava sob seus cuidados, vigilância ou autoridade. E incapaz não é apenas a criança. Uma pessoa com deficiência mental é considerada incapaz. Uma pessoa que sofra de demência também é.
E a pessoa com deficiência física? Ela certamente não é incapaz intelectualmente e por isso sabe como se defender, mas ela é incapaz de se defender de certos riscos físicos. Por exemplo, uma enfermeira que está cuidando de um cadeirante em um barco será responsável se ela o abandonar em uma situação na qual ele esteja incapaz de se defender dos riscos resultantes do abandono.